Plágio musical e sample: direitos autorais em foco na semana

Crédito da foto: Site oficial da banda Kraftwerk

Até que ponto é permitido que uma música inclua um pedaço de outra, sem caracterizar cópia?

Com essa pergunta, eu iniciei meu artigo Samples versus plágio na música: limites da ofensa aos direitos autorais, que publiquei aqui no Jusbrasil há 2 anos.

Pois vejam só: um dos casos mais famosos de disputa judicial por uso de sample teve seu desfecho justamente agora, na última semana de julho de 2019.

Estou falando do caso da rapper alemã Sabrina Setlur e da banda (também alemã) Kraftwerk.

Uma das músicas de Sabrina, "Nur Mir", lançada em 1997, usa em seu instrumental a base de bateria da música "Metall auf Metall", do Kraftwerk.

Se quiser verificar por si mesmo, compare as duas músicas nesse link aqui do site Who Sampled – que, aliás, é um verdadeiro banco de dados sobre músicas que usam samples; bem interessante.

Acontece que os produtores da música lançada por Sabrina não pediram a autorização dos produtores da música do Kraftwerk para fazer isso.

Pois bem; o Kraftwerk entrou com uma ação judicial em 1999 (exatos 20 anos!) e a decisão saiu essa semana: o Tribunal Europeu de Justiça decidiu que o uso de sample realmente requer a autorização do autor da música.

O caso Dark Horse

Outra decisão que chamou a atenção nos últimos dias diz respeito à música "Dark Horse", lançada em 2014 pela cantora Katy Perry e o rapper Juicy J.

O rapper cristão Flame havia processado Katy e os demais autores e produtores da música, sob a alegação de que ela seria plágio de sua música "Joyful Noise".

Também nesta semana, um júri federal nos Estados Unidos decidiu que sim, "Dark Horse" é mesmo plágio de "Joyful Noise".

De fato, a melodia do sintetizadorzinho que fica tocando na intro de "Joyful Noise" é bem parecida com a que fica por baixo da voz de Katy no primeiro verso e depois do refrão... Mas plágio? Hmmm... Bastante discutível...

De qualquer forma, a decisão já foi tomada.

Segundo a revista TIME, os advogados da gravadora de Katy afirmam que a música "Dark Horse" rendeu cerca de 650 mil dólares (lucro líquido).

Porém, ainda não se sabe o valor da multa que Katy e os coautores vão ter que pagar. O júri deverá decidir em breve.

Crédito da foto: Luca Bravo, via Unsplash

E aí, você me pergunta: mas será que a Katy e o resto do pessoal conheciam a música e fizeram de propósito? Será que não pode ter sido uma grande coincidência?

A verdade é que não há exatamente como responder a essas perguntas...

Será que eles conheciam a música? Só eles podem dizer isso.

Será que eles fizeram de propósito? Só eles sabem também, mas, veja só: mesmo que eles conhecessem a música, existe a possibilidade de não terem tido a intenção de copiar.

E se eles nunca ouviram a música e tudo não passou de uma coincidência? É plágio mesmo assim? É. Se for reconhecido pelo Judiciário que as duas músicas são iguais ou apresentam alto grau de semelhança, os criadores podem ser condenados por plágio da mesma forma.

Pense comigo: como uma pessoa pode provar que nunca ouviu uma música e nunca quis copiá-la? É bem complicado, né?

Como demonstrar para um Juiz todas as músicas que você já ouviu na vida?

Como provar que uma melodia jamais chegou até seus ouvidos?

Ou, mais difícil ainda: como provar que você já ouviu uma música há muuuito tempo atrás, mas nem lembrava dela, e que nem pensou que pudesse estar compondo algo parecido?

Por enquanto, ainda não existe nada como uma radiografia dos nossos pensamentos ou dos nossos sentimentos (hahahaha). Por isso, nesses casos, a prova é basicamente técnica, comparando-se as duas músicas.

Algumas observações importantes

Se você leu até aqui, é preciso que algumas coisas fiquem bem claras:

• O caso do Kraftwerk é emblemático e tenho certeza de que servirá de base e precedente para outros processos e discussões no mundo inteiro – mas trata-se de caso julgado na União Europeia! Independente do que foi decidido para os artistas europeus que estão sob jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça, aqui no Brasil a legislação sempre exigiu a autorização prévia para uso de outra obra – a não ser que se trate de uma música que caiu no domínio público ou que tenha sido liberada para uso livre e gratuito. Se quiser entender melhor sobre o que a lei brasileira diz sobre isso, confira o meu outro texto sobre o assunto!
• Para quem não trabalha com música ou não entende tanto do mercado musical, pode haver dúvida ou confusão sobre o significado da palavra "produtor musical". Nesse contexto, o produtor de que estou falando não é a pessoa que empresaria o artista, fecha shows etc. O produtor aqui é a pessoa que cria ou ajuda a criar a direção do som de uma música – geralmente, é a pessoa que produz o instrumental em alguma estação de áudio digital. Por isso, quando eu disse, lá em cima, que os produtores da música da Sabrina Setlur e da Katy Perry foram processados, é desses caras e mulheres que estou falando!

É muito importante saber identificar e diferenciar produtor, compositor, intérprete etc.

No caso da Katy Perry, ela era uma das compositoras da música, por isso também foi processada. Mas em muitos casos, o artista nem participou da composição ou da produção... Nesses casos, seria errado falar: "Fulano plagiou a música do Siclano" (aliás... além de errado, pode até configurar crime).

Os responsabilizados pela violação de direitos autorais são os criadores da música, certo?

Espero que tenha gostado desse texto e que você possa ter aprendido um pouco mais sobre direitos autorais.

Se você é artista ou se o seu trabalho envolve trabalhos autorais (suas ou de outras pessoas), procure sempre um advogado ou advogada especializada para te assessorar e evitar problemas!